Pense Nisso

‎"Não é demonstração de saúde ser bem ajustado a uma
sociedade profundamente doente"
Jiddu Krishnamurti

sábado, 13 de junho de 2009

O Homem sem coração

La vai ele em sua rotina diária, ele não tem sentimento, é feito duro como mármore.. Dor, compaixão? sentimentos riscados de seu dicionário da vida..Olha o que é triste e passa impune, é incapaz de sentir dor, -ora pois pois !! ele não tem coração!! exclamaria um português de bochechas rosadas que vivia naquela vila.. a velha senhora que vivia numa casa colada a do homem exclamou, -ele é incapaz de amar!! -nunca deve ter sido amado.. solta entre os dentes sua neta magrela.. Mas ele passa impune, alheio aos olhares curioso de seus vizinhos, viver sua vida assim pra ele sempre foi mais fácil, uma vez comentou com um jovem, um dos poucos amigos que lhe restava "já pensou se sempre que eu acordasse e olhasse o noticiário eu ainda fosse me preocupar com tudo que esta acontecendo? ora rapaz se fosse assim não saia mais de casa!!"
Ele mantém sua afinada rotina de acordar bem cedo tomar seu café e ir para seu escritório, quando ainda moço resolveu viver uma vida solitária, o outro pra ele sempre foi um mister profundo, algo que não lhe despertava interesse, não se prendia a ninguém e quanto a filhos? ah! eu não cometeria esse crime! "-esse mundo por si só é louco demais, ninguém merece ser condenado a viver nele!" dizia ele bem humorado. Freqüentava o teatro, lia os clássicos, sua fineza arrancava suspiros das jovens que em seu bairro viviam. Ele não tinha um olhar derrotado, gostava de um bom samba, só escolheu viver sem sofrer, é isso mesmo, sem sofrer...Sua discrição despertava a curiosidade da pacata vizinhança, teorias e historias eram criadas para explicar aquele jeito de ser, chamado vadio, maluco, todos queriam saber o que havia além de suas cortinas, a curiosidade pulsava vívida nas pessoas, mas suas feridas só cabiam a ele mesmo, não havia como lançar um luz sobre esse pungente mistério. Vivia como em estufa, longe muito longe dos devaneios do coração, fechado no circo que sua vida se tornou.
Mas quem viu este homem uns anos atrás sabe que ele tem seus motivos, não é só pela política que ele tem ojeriza, um dia seu coração já falou mais alto, se apaixonou por uma menina de alta classe, mas um dia esse amor se tornou como um samba dos mais tristes, e nem dez mandamentos iriam conciliar, mas ainda guarda um carinho por ela mas era como se tivesse encaixotado em algum lugar do quarto, por mais que todos os suores o fizessem encharcar preferiu seguir sua jornada agindo assim, era preciso deixar esse mal, pois nessas tortuosas trilhas apenas seus livros o redimiam, preferiu então viver nessa solidão agreste. "já perdi a noção da hora, já joguei tudo fora e não soube como partir, agora rompo com o mundo mas sem ainda ter queimado meus navios!" brinca ele, parafraseando um de seus poetas favoritos.Com ar de filósofo cita aos que o rodeiam como em versos sem métrica sua forma de viver, o jovem escriturário que entrara a pouco o pergunta "-mas e nos fins de semana, ficas sozinho?" fixando nele o olhar responde, "-acordo cedo vou a padaria e tomo o meu café, depois procuro variar." no ar um clima melancólico, é ninguém disse que é fácil viver sem um coração, mas quando o amor cai doente e você tenta partir pra se desvencilhar não há nada a ser dito, apenas atitudes são tomadas, sonhava ele ainda em reencontrar sua menina, "talvez num tempo da delicadeza", onde ele não diria nada apenas a olharia. Mas isso era coisa passada, coisa de anos, que não tem volta. "-quem sabe um raio de luz não ilumina a vida dele? as paixões são como ondas vem e vão, o coração é como um ilha no meio disso tudo, esse céu nublado ainda um dia pode abrir e como eu disse um raio de luz ainda pode o iluminar!" comenta sozinho com o jovem um velho diretor que já estava para se aposentar, do alto de toda sua maturidade.Aquela situação incômoda no refeitório o deixou pensativo, nos meus tempos de criança ser feliz era uma lei, agora eu me auto condeno a solidão, ah mas quando criança tudo não passava de um grande faz de contas a vida é mais do que isso, será mesmo? sua cabeça dá um nó, enfim, nada que um bom café expresso não resolva, preciso me distrair, e esses pensamentos vão passar. Ao dar sua hora saiu caminhando pelo centro da cidade até sua livraria preferida, la havia um café delicioso e ainda veria alguns livros, peças que comprava compulsivamente, mas logo ao entrar defrontou-se com uma linda mulher que o chamou a atenção, hum estranho.. aquele frio na barriga o fez lembrar da adolescência, ela folheava uma revista destas de trivialidades, ele a observa de perto e vai tomar seu café.
Curioso ele fica imaginando qual seria o nome dela, o que ela estaria fazendo ali, quando para a sua frustração suas questões foram respondidas, pelo menos uma, um homem entra pela loja e a abraça, depois do beijo eles saem de mãos dadas, tudo sob os olhos penitentes do nosso homem, ele olhando aquele cena sentiu uma ponta de inveja, pois esse tipo de carinho já não lhe era mais familiar, pensa ele consigo mesmo de que não poderia mudar, já nem saberia ele por onde começar.Ao chegar em casa uma correspondência lhe chama a atenção, parece que um sobrinho distante esta para chegar em sua casa, tomado pela surpresa e pelo estranhamento pega o telefone vai tirar isso a limpo, a chegada é iminente, preferiu vir sem ligar pra não correr o risco de ser proibido de vir, “-como assim ele chega amanhã?” reclama incisivamente, ele gostava do jovem sobrinho, mas não esperava ter companhia tão cedo. Viu seu sossego voando pela janela a fora, mas logo um tom de aceitação soou em sua voz. Pelo menos poderei ensinar algumas coisas a esse menino e ele não vai passar pelo que eu passei, ele será no futuro um homem muito melhor do que eu, pensou ele fazendo mil planos em sua cabeça, preparou o quarto que usava para guardar seus livros a fim de receber bem o seu sobrinho, “- agora é só esperar ele chegar”.

2 comentários:

  1. Muito legal, rapaz! Texto excelente, muito poético! Não seria viver sem coração apenas sobreviver?

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  2. Se você coloca o coração em tudo que faz, as coisas funcionam melhor, porém as chances de se decepcionar são maiores e mais sofridas, ai fica a seu critério sobreviver ou viver a vida na intensidade que ela possui.

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